quinta-feira, 20 de novembro de 2008

POETA DE GAVETA

Meu verso já não cabe no papel.
Extrapolou.
E, sem pedir licença,
Foi procurar o seu lugar no mundo.
Eu, poeta de gaveta,
Fiquei vendo meu verso partir
Sem saber se voltaria
Se voltará...
Fiquei presa ao papel em branco
Morrendo de medo
E com vontade de ir também.

REJUVELHESCER

O poeta ouviu a palavra
“rejuvelhescer”.
testou-a na ponta da língua
de olhos fechados para sentir-lhe
o sabor.
Aspirou-a delicada
e profundamente.
O poeta
sentiu a palavra na pele
e decidiu que era
rejuvelhescendo
que ele seria
eterno.

(Para Aclyse de Matos e Lorenzo Falcão, em 31/07/2005)

METAPOEMA

Faço versos porque quero falar
E a minha fala
É tão subjetiva e impulsiva
Que nela se podem refletir mil vozes
Que se calam.
Faço versos em meu nome, apenas.
Ainda que
Indefinidamente
Uma outra mulher neles se espelhe alguma vez.
Faço versos pra falar de amor
- o meu amor –
Meu medo e minha solidão
Minha luxúria...
Faço versos enfim porque
Não há como calar
O grito agoniado da loba
Em noites de luar.

CANTIGA

Ela se veste de branco
E dança à luz do luar.
Ele não sabe e canta
Cantigas do só.
Ela o espera a noite inteira
Ele olha a lua sorrindo.
Ela o chama de amor,
Ele, de amiga querida.
Ela esconde sua dor,
Ele a faz sem sentido.
Ela é mulher,
Ele é só um menino

PARADOXAL

Teu querer te conduz ao meu abraço,
Mas teu medo te impede de voar.
leve, livre no ar, solta no espaço,
te atraio como a lua atrai o mar.
Incongruente, teu desejo pelo toque
Pelo gosto, pelo cheiro da minha pele
Te dói como ferida aberta e calcinada.
O que mais te atrai em mim, mais te repele:
minha confessa liberdade e despudorada entrega.
Quiseras ser meu dono, mas não o quiseras
Porque se o fosses eu teria deixado de ser eu
e deixarias de desejar-me.
Teu desejo baseia-se no não ter-me,
no ter nunca certeza alguma a meu respeito
exceto o momento em que entre soluços, palavras e espasmos desconexos
teu sexo encontra-se em meu sexo
e nossos olhos, em algum ponto do infinito.

ENIGMA

Não sou mulher
De um homem só:
Sou mulher só
De um homem.
Sou mulher
Só.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Balada do louco

(1986)
Composição: Arnaldo Baptista e Rita Lee
Interpretação: Ney Matogrosso

Dizem que sou louco
por pensar assim
Se eu sou muito louco
por eu ser feliz
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz
Se eles são bonitos,
Sou Alain Delon
Se eles são famosos,
Sou Napoleão
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz
Eu juro que é melhor
Não ser o normal
Se eu posso pensar que Deus sou eu
Se eles têm três carros, eu posso voar
Se eles rezam muito, eu já estou no ar
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz
Eu juro que é melhor
Não ser o normal
Se eu posso pensar que Deus sou eu
Sim sou muito louco, não vou me curar
Já não sou o único que encontrou a paz
Mas louco é quem me diz
Que não é feliz,
EU SOU FELIZ!

domingo, 2 de novembro de 2008

REFLEXOS DO DIA

Estou ouvindo Chico Buarque. Ele me faz parar e refletir, em outros momentos me dá apenas a sensação de estar. A semana que passou não foi simples, voltei a tomar os remédios para sarcoidose e senti-me sem chão. Ontem, porém, voltei a me equilibrar. Juliano Moreno escreveu num poema: "Sem rede, só resta o equilíbrio ao equilibrista". É mais ou menos isso, estou sem rede, assim, só me resta buscar o equilíbrio.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Prece Irlandesa

Que a estrada se abra à sua frente,
Que o vento sopre levemente em suas costas,
Que o sol brilhe morno e suave em sua face,
Que a chuva caia de mansinho em seus campos.
E até que nos encontremos de novo...
Que Deus lhe guarde nas palmas de suas mãos.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Proposta indecorosa 1

O que seria uma proposta indecorosa?
Assistir juntos o jogo do Corinthians
Quando você é São Paulino?
Pedir emprestado seu livro predileto?
Te dar ingresso para assistir
Um daqueles filmes holliwoodyanos de 5ª
Num cinema idem?
Te convidar pra dançar?

Talvez olhar em seus olhos
E pedir o telefone de seu melhor amigo,
Sabe, aquele que não deixa passar uma mulher?

O que seria indecoroso pra você?

Tudo isso
Nada disso...

Talvez...

É...talvez....
(28/05/08)

Ocupado

Eu hoje me encontrei com você
Assim,
Desavisadamente...
Você me abraçou
E seu cheiro ficou em minha roupa.
Minha pele.
Senti apenas falta do seu gosto,
Não houve tempo
Para mais que um “oi, me liga”.
Meu corpo se sentiu abandonado
Frio
Vazio.
Minha alma te chamou
Mas você não respondeu.
(17/06/2008)

Réquiem

Amanhã
Quando eu me levantar
Depois de uma noite mal dormida
Chorando de saudades de você
O que me dirá o relógio
Que não parou de marcar o tempo
Um tempo que já não temos,
O tempo.
Que me dirão
As fotos,
A roupa no guarda-roupas,
O cheiro no travesseiro
O dia
A noite em mim?
Quisera ver de novo
Ainda que só uma vez
O seu despertar,
Seu olhar – tão precioso.
Quisera de novo
Te abraçar
Beijar
E dizer do meu amor
Da saudade
E do vazio
Que fica em seu lugar,
Meu filho.

AS BRUMAS DE SALÉM[1]

Olhou-o. A roupa de magistrado lhe caía bem, notou. Ele possuía uma aura, algo incomum... Sem paixão, examinou aquele que seria responsável por sua condenação. Não tinha dúvidas de que ele a condenaria. Absolvê-la seria perigoso demais para sua brilhante carreira de magistrado e destruiria sua chance de ir para uma cidade maior. Compreendia. Doía, mas compreendia. Tentou lembrar-se por que se apaixonara por ele, mas não encontrou nenhum motivo forte o bastante para justificar sua paixão absoluta. Absoluta, mas não cega. Enxergava-o exatamente como era: fraco, ambicioso, frio. Enquanto via o movimento na sala, recolheu-se em seu mundo particular onde não havia dor e lembrou.

Salem, MA, EUA 1692

A bruma fria obrigava as pessoas a se curvarem, numa tentativa de aquecerem-se. Andando rapidamente pela orla do mar, Wendy tentava chegar logo à casa. O frio cortante e úmido invadia suas roupas e ela rangia os dentes. Apressou o passo.

A casa era pequena, construída longe das águas por causa das marés. A pintura um dia fora branca, mas agora estava desbotada pelo tempo e em muitos lugares sequer ainda existia. Abriu a porta e entrou rapidamente. Correu para a lareira, estendendo as mãos geladas em busca do calor abençoado do fogo. Ainda bem que deixara a lareira acesa! Colocou mais algumas achas de lenha, sentou-se perto do fogo e sentiu o corpo relaxar. Lembrou-se de que não comera ainda e, apesar do sono, preparou uma sopa rapidamente. Bebeu-a devagar, aquecendo-se por dentro. Suspirou.

A casa era uma só peça, não muito grande. No verão era quente e clara, porém no inverno o vento penetrava por entre as tábuas e congelava o ar, tornando difícil até a respiração.

Wendy aqueceu água para lavar-se, enxugou-se e trouxe suas cobertas para perto do fogo. Não se atrevia a dormir na cama, longe da lareira. Preferiu estender um acolchoado no chão e o outro por cima de seu corpo, Depois, uniu os dois, como num casulo e adormeceu em seguida, cansada.

Acordou antes do amanhecer, esticou-se devagar, desejando continuar deitada, mas era dia de culto e se não fosse à Igreja sua ausência seria tida como desobediência. Desde que a filha do pastor começara a acusar pessoas da comunidade de bruxaria, todo cuidado era pouco. Pensou nas pessoas todas que estavam presas, aguardando julgamento. Um arrepio gelado a percorreu e não era do frio. Se as pessoas soubessem...

Deixou de lado os pensamentos sombrios e levantou-se. Colocou água para esquentar e um pouco de leite também. Lavou-se, arrumou-se e saiu para o frio da manhã em direção à igreja.

A Igreja estava cheia. Ela sentou-se no banco de sempre e procurou olhar diretamente em frente, onde sabia que o encontraria. Seu corpo aqueceu-se em simplesmente pensar nele. Querê-lo era um pecado e certamente pagaria caro por ele, mas... A verdade era que o amava. Sabia que ele também a queria, entretanto, tinha certeza de que jamais abandonaria sua vida para viver com ela. Sorriu ironicamente. O amor de Samuel era primeiro dedicado a ele mesmo.

Ele tinha certeza, como de resto toda a comunidade, de que os líderes da igreja já estavam salvos, não necessitando lutar por ela. Entretanto, Wendy conhecia os segredos que se escondiam na calada da noite e em leitos não tão santos. Os homens eram apenas homens e a excessiva rigidez das normas criava o gosto do proibido. Os representantes do bem, sub-repticiamente aproveitavam-se do fato de sua ilibada reputação para seduzirem adolescentes e molestar crianças. Quantas a procuraram em segredo, em busca de ervas para minorar as dores provocadas por verdadeiros estupros consensuais? Conhecia os segredos desses puritanos. E tinha medo deles.

Samuel. Mesmo nele, a quem amava, não ousava confiar. Se ele tivesse que escolher entre sua medíocre família e ela...

O sermão prosseguia cheio de imagens fortes, onde o inferno era retratado tão vivamente que fazia pensar como ele sabia tão certamente como era por lá. Será que andara passeando por aquelas paragens?

Sentiu vontade de rir, mas controlou-se. Aliviada, levantou-se para os cânticos finais e a oração. Entrou na fila para os cumprimentos ao reverendo. Discretamente, ele acariciou-lhe a palma da mão com o indicador, provocando-lhe um instantâneo desejo, logo controlado.

Caminhou pelas ruas cumprimentando as pessoas, e evitando parar até atravessar a cidade e buscar a segurança da mata. Parou em uma pequena clareira. A cabana de madeira rústica ficava praticamente oculta pelas árvores. Durante alguns momentos, indiferente ao frio, olhou a casa. Sua casa. Seria?

Por que nesse dia, em especial, estava pensando tanto em coisas que não podia resolver? Impaciente com o súbito vazio em seu peito, abriu a porta e entrou. Acendeu o fogo e o calor começou a se espalhar devagar pelo único cômodo. Preparou a sopa de legumes para o almoço enquanto cantarolava. Ele estava demorando, notou. Bem, esperaria. O que mais poderia fazer?

A tarde passou e ele não veio. Sentiu-se triste, mas fingiu entender. Mas pela primeira vez perguntou-se até quando suportaria isso...

O caminho para casa pareceu-lhe mais longo e penoso.

II

O dia amanheceu mais claro que o anterior, com um sol tímido brilhando entre nuvens e alegrando as crianças que se dirigiam à escola. Wendy vestiu-se apressada, amarrando os cabelos na touca branca. O barulho das crianças podia ser ouvido ao longe, misturado ao barulho do mar. Preparou-se para as tarefas do dia na comunidade.

A comunidade vivia de uma agricultura de subsistência e todos trabalhavam na lavoura em datas e horários rigidamente determinados pelos pastores da Igreja. A vida em Salem girava ao redor da Igreja e dos desejos e desmandos de seus dirigentes.

Várias pessoas dirigiam-se naquele mesmo horário para a lida e cumprimentaram-se com certo receio. A sensação de perigo iminente tolhia os movimentos e congelava os sorrisos. Soube então que mais uma fora denunciada como bruxa e estava presa. Entendeu então porque ele faltara ao encontro. Um arrepio gelado percorreu-a quando pensou em quanto se arriscava ao atuar como curandeira, mas ao mesmo tempo, tinha pena daquelas pessoas e de sua ignorância.

Viu-o de longe, enquanto colhia legumes. Alto, claro... Sentiu-se observada e ergueu o olhar. O ódio era visível na face de Katlin, a filha mais velha de Samuel. Perguntou-se se ela sabia com quem seu pai estava quando sumia durante as tardes.

Dias depois foi procurada na calada da noite por uma senhora que não a olhava de frente. Sem palavras, levantou a saia. Wendy perguntou-lhe desde quando sangrava e como acontecera, embora já suspeitasse: aborto. Enxugou-lhe o pranto em silêncio, limpou-a, deu-lhe uma bebida quente para deter a hemorragia e a dor. Não perguntou sobre os fatos, não interessavam naquele momento. Depois, entregou-lhe um pacote com ervas para mais chá, ensinou como fazer e deixou-a ir. Era quase manhã e o corpo doía-lhe de tensão. Limpou os utensílios usados e lavou os panos sujos de sangue. Tentou adormecer, mas logo era dia e o barulho das crianças avisou-a de que era hora de levantar.

Quando entrou na Igreja, sentiu os olhares e os sussurros à sua passagem. Sentiu medo, o coração disparado, apertou a Bíblia nas mãos e caminhou para seu banco. Foi barrada antes por três dos membros da direção. Ouviu a voz de Katlin acusando-a de bruxa, relatando um ritual no meio da floresta. A comoção na Igreja foi controlada pela voz de Samuel que lhe perguntava se era verdadeira a acusação. Serena, Wendy olhou-o. Não respondeu, não podia. Foi conduzida a prisão seguida por olhares em que misturavam constrangimento, perplexidade, culpa, piedade... e ódio.

Nos dois meses seguintes na prisão, agradeceu silenciosamente a influência de Samuel que não deixou que a torturassem. Soube que Katlin contara detalhes de um ritual de magia antigo, usado por povos do Caribe para proteção da colheita. Imaginou que, se a menina vira isso, também vira Samuel e ela na cabana.

Não falou nada, não se defendeu, não protestou inocência, nem mesmo chorou. No fundo, acreditava que Samuel a livraria, mas quando soube do julgamento público, perdeu as esperanças. De vez em quando acariciava o ventre onde guardava o filho de Samuel, o filho que ele não sabia, o filho que morreria com ela. Pensou em contar-lhe, mas achou que era tarde demais. Ademais, ele acabaria sabendo quando a visse no julgamento, o ventre dilatado e já impossível de esconder.

III

O julgamento pareceu-lhe um pesadelo. Quando a viu entrar na sala, o ventre distendido numa inequívoca gravidez, pensou que fosse morrer. Presidindo a sessão, ouviu as acusações que não eram refutadas por ninguém, nem mesmo por aqueles a quem ela um dia prestara socorro. Quis gritar que a amava, levá-la dali para bem longe, mas teve medo. Sentiu vergonha de sua covardia. Quando olhou sua filha, percebeu com clareza que ela mentira. Ainda assim, no momento da sentença, sua voz soou alta e clara, fria, impessoal. Culpada. Condenada. Morte na forca.

IV

O cadafalso foi armado no centro da praça. Samuel acompanhou toda a movimentação da janela de sua casa, em frente à praça. No dia da execução, viu-se parado com outras pessoas da direção da Igreja na frente do cadafalso. Viu-a caminhar sem demonstrar medo e subir os degraus que a levavam à forca. Mãos amarradas às costas, ainda uma vez olhou-o e ele não viu nada nesse olhar, nem ódio, nem amor.

O carrasco colocou-lhe a corda ao redor do pescoço e abriu o alçapão. Um estalido denunciou que o pescoço fora quebrado. Aquele som repercutiu nele como um canhão. Retirou-se rapidamente para casa, a casa que covardemente preservara ao condenar Wendy.

No quarto, ajoelhou-se encostado à parede e chorou. Encolhido a um canto, pediu perdão a Deus por tê-la deixado morrer, sabendo que era inocente. Mas a face de Deus não se revelou.

[1] Em Salem, Massachusetts, EUA, em 1692, dezenove pessoas morreram acusadas de bruxaria pela filha do pastor local e algumas amigas. Este é apenas um conto, não reflete exatamente o que aconteceu por lá, embora se utilize de elementos da história real da cidade e da caça às bruxas. Todos os nomes são fictícios. Quem estiver interessado num resumo da história real, poderá achá-la em http://www.terra.com.br/voltaire/mundo/feiticeiras.htm

As meninas

Quase na esquina da escola
Há um posto de combustíveis.
Lá, os frentistas
Apreciam a vista:
Meninas em bandos
Rapazes
Um ou outro professor.
Encantam-se os trabalhadores,
Ouvem pedaços de conversas
Pequenas (in)confidências
Algumas inconveniências...
Eles sabem que a vida passa
Em frente seus olhos
E deixa um leve perfume
De amanhã no ar.

Muda o disco

Não sei das mulheres com quem andou
Mas comigo
Você errou na mão.
O “Bonde do tigrão” passou na outra rua.
Sou Chico, Oswaldo, Djavan...
Dependendo da hora e do clima
Aceito sem pestanejar
Peninha, Roberto...
Vale até Christian e Ralf,
Mas paro por aí!
Essa história de que “um tapinha não dói”
Decididamente
Definitivamente
Não é para mim.
(21/06/2008)

terça-feira, 17 de junho de 2008

TJAIRA

Ela corria desajeitadamente, as mãos no ventre volumoso. De vez em quando, olhava para trás, para verificar se estava ainda longe de seus captores. Os galhos das árvores que rasgavam sua pele não pareciam incomodar, talvez porque o medo fosse muito forte, talvez porque já estivesse anestesiada. As dores que se apresentavam não eram do fato de estar correndo, disso ela sabia. Precisava urgentemente um lugar para parir.
Pediu a seu deus, ou ao Deus dos cristãos, ou a qualquer outro que estivesse de plantão, que a levasse a um lugar seguro. Alguns momentos - ou horas - mais tarde, quando as dores pareciam rasgá-la ao meio, encontrou-se no centro de uma clareira. Milagrosamente, o lugar parecia pronto a recebê-la: havia um pequeno curso d'água que formava uma piscina natural, rasa e limpa, havia o abençoado silêncio apenas ponteado pelo barulho dos animais da floresta; havia a sensação de estar em segurança, proporcionada especialmente por uma árvore de porte médio que parecia irradiar uma luz semelhante a do sol.

Entrou devagar na água e banhou seu corpo cansado, sentindo as contrações aumentarem a freqüência. Jamais sofrera dor assim. Quando sentiu-se pronta, acocorou-se à margem d'água e deixou que seu filho nascesse. Sentiu-o entre as pernas, segurou-o com ambas as mãos, já quase sem forças. Com os dentes, cortou o cordão que os ligava. Com as mãos, limpou-o como pode. Foi então que aconteceu. A árvore que parecera guardá-la abriu-se, cheia de luz. Maravilhada, por instantes ela apenas contemplou o milagre. Depois, como quem acorda de um transe, beijou a crianças silenciosa em seus braços e guardou-a na cavidade iluminada do tronco da árvore. Viu quando esta se fechou, colocando seu filho em segurança. Não chorou. Não podia. Afastou-se, olhando sempre a árvore. Por fim, sentindo uma estranha paz, mergulhou novamente nas águas frias.

A placenta desprendeu-se e ela deixou que a água levasse e lavasse tudo. Ouviu quando seus captores chegaram. Eles a retiraram da água e amarram seus pulsos. Calada, deixou-se levar. Viu quando procuravam seu filho e agradeceu ao deus que o estava guardando na árvore. Viu quando, enfurecidos, eles buscaram em vão pela criança. Por fim, desistindo da busca, levaram-na presa, mais bicho que gente, até a aldeia de onde ela fugira.

Não se importou com quem a levava, nem com seus motivos. Pensava no filho, guardado na árvore como estivera até há pouco em seu ventre e sabia, de uma maneira que era só sua, que um dia a árvore novamente se abriria para ela e o devolveria.

E então você já pensou em passar a noite comigo?

Como seria?

Irmãozinhos, trocando confidências

Ou tórrida paixão explodindo?

Pensou em seu corpo e o meu colados

Suados

Lassos...

Ou preferiu pensar em nós tratando de filosofia

Antroposofia

Transcendência da alma

Ou coisa assim?

Dá quase pra ver seu riso

E ouvir sua voz me chamando de ousada...

Talvez tenha pensado em uma noite mais calma

Em que se misturassem

Conversas

Murmúrios

Confidências

A beijos com sabor de eu-você

E marcas indeléveis e invisíveis a olho nu.

PORQUE TE GOSTO

Há algo de infinitamente doce no som do teu riso.

Talvez a inocência perdida em algum momento no tempo,

Talvez o gosto acidamente doce da maçã,

Ou o beijo que nunca partilhamos...

Talvez o brilho do luar, refletido nos olhos,

Ou o cheiro...

Talvez meu corpo saiba, sem jamais ter sentido,

Como teu corpo se ajusta às minhas curvas,

Teu sólido em meu líqüido,

Teu concreto em meu espaço abstrato...

Talvez não seja nada disso

E seja apenas tesão...

...mas talvez seja amor...

CANTIGA

Ela se veste de branco

E dança à luz do luar.

Ele não sabe e canta

Cantigas do só.

Ela o espera a noite inteira

Ele olha a lua sorrindo.

Ela o chama de amor,

Ele, de amiga querida.

Ela esconde sua dor,

Ele a faz sem sentido.

Ela é mulher,

Ele é só um menino.

PARADOXAL

Teu querer te conduz ao meu abraço,

Mas teu medo te impede de voar.

leve, livre no ar, solta no espaço,

te atraio como a lua atrai o mar.

Incongruente, teu desejo pelo toque

Pelo gosto, pelo cheiro da minha pele

Te dói como ferida aberta e calcinada.

O que mais te atrai em mim, mais te repele:

minha confessa liberdade e despudorada entrega.

Quiseras ser meu dono, mas não o quiseras

Porque se o fosses eu teria deixado de ser eu

e deixarias de desejar-me.

Teu desejo baseia-se no não ter-me,

no ter nunca certeza alguma a meu respeito

exceto o momento em que entre soluços, palavras e espasmos desconexos

teu sexo encontra-se em meu sexo

e nossos olhos, em algum ponto do infinito. (2001

domingo, 15 de junho de 2008

Poeta de gaveta

Meu verso já não cabe no papel.

Extrapolou.

E, sem pedir licença,

Foi procurar o seu lugar no mundo.

Eu, poeta de gaveta,

Fiquei vendo meu verso partir

Sem saber se voltaria

Se voltará...

Fiquei presa ao papel em branco

Morrendo de medo

E com vontade de ir também. (25/15/2006)

Metapoema

Faço versos porque quero falar

E a minha fala

É tão subjetiva e impulsiva

Que nela se podem refletir mil vozes

Que se calam.

Faço versos em meu nome, apenas.

Ainda que

Indefinidamente

Uma outra mulher neles se espelhe alguma vez.

Faço versos pra falar de amor

- o meu amor –

Meu medo e minha solidão

Minha luxúria...

Faço versos enfim porque

Não há como calar

O grito agoniado da loba

Em noites de luar.