terça-feira, 17 de junho de 2008

TJAIRA

Ela corria desajeitadamente, as mãos no ventre volumoso. De vez em quando, olhava para trás, para verificar se estava ainda longe de seus captores. Os galhos das árvores que rasgavam sua pele não pareciam incomodar, talvez porque o medo fosse muito forte, talvez porque já estivesse anestesiada. As dores que se apresentavam não eram do fato de estar correndo, disso ela sabia. Precisava urgentemente um lugar para parir.
Pediu a seu deus, ou ao Deus dos cristãos, ou a qualquer outro que estivesse de plantão, que a levasse a um lugar seguro. Alguns momentos - ou horas - mais tarde, quando as dores pareciam rasgá-la ao meio, encontrou-se no centro de uma clareira. Milagrosamente, o lugar parecia pronto a recebê-la: havia um pequeno curso d'água que formava uma piscina natural, rasa e limpa, havia o abençoado silêncio apenas ponteado pelo barulho dos animais da floresta; havia a sensação de estar em segurança, proporcionada especialmente por uma árvore de porte médio que parecia irradiar uma luz semelhante a do sol.

Entrou devagar na água e banhou seu corpo cansado, sentindo as contrações aumentarem a freqüência. Jamais sofrera dor assim. Quando sentiu-se pronta, acocorou-se à margem d'água e deixou que seu filho nascesse. Sentiu-o entre as pernas, segurou-o com ambas as mãos, já quase sem forças. Com os dentes, cortou o cordão que os ligava. Com as mãos, limpou-o como pode. Foi então que aconteceu. A árvore que parecera guardá-la abriu-se, cheia de luz. Maravilhada, por instantes ela apenas contemplou o milagre. Depois, como quem acorda de um transe, beijou a crianças silenciosa em seus braços e guardou-a na cavidade iluminada do tronco da árvore. Viu quando esta se fechou, colocando seu filho em segurança. Não chorou. Não podia. Afastou-se, olhando sempre a árvore. Por fim, sentindo uma estranha paz, mergulhou novamente nas águas frias.

A placenta desprendeu-se e ela deixou que a água levasse e lavasse tudo. Ouviu quando seus captores chegaram. Eles a retiraram da água e amarram seus pulsos. Calada, deixou-se levar. Viu quando procuravam seu filho e agradeceu ao deus que o estava guardando na árvore. Viu quando, enfurecidos, eles buscaram em vão pela criança. Por fim, desistindo da busca, levaram-na presa, mais bicho que gente, até a aldeia de onde ela fugira.

Não se importou com quem a levava, nem com seus motivos. Pensava no filho, guardado na árvore como estivera até há pouco em seu ventre e sabia, de uma maneira que era só sua, que um dia a árvore novamente se abriria para ela e o devolveria.

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